Todo mundo conhece ou já ouviu falar de alguém que se matou. Mesmo sendo algo próximo à todos, a palavra suicídio costuma incomodar. A cada 45 minutos uma pessoa se suicida no Brasil, e apesar do grande rebu em torno do assunto - hoje tema de série e envolvido num jogo polêmico - ele continua sendo um tabu, ainda que os índices e a necessidade do debate continuem crescendo. De acordo com o Mapa da Violência 2017, entre 1980 e 2014, a taxa de jovens que tiram a própria vida subiu 27,2%, mostrando que o tema precisa, mais do que nunca, ser tratado de forma aberta e sem preconceitos.

É comum o suicídio ganhar destaque durante o mês de setembro, quando é realizado o “Setembro Amarelo”, uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio. Mas recentemente isso mudou. A série “13 reasons why” (Os 13 porquês), lançada em março deste ano pela Netflix, conta a história de Hanna Baker, uma jovem que comete suicídio e deixa gravadas fitas explicando as razões que a fizeram se matar. 

Outro fato que impulsionou o debate foi o jogo Baleia Azul. O desafio é composto por um total de 50 provas diárias que devem ser cumpridas. Cada desafio é enviado diariamente por um “curador” que pede provas (fotografias ou vídeo) de que o desafio foi cumprido pelos jogadores que são, por norma, adolescentes com problemas de depressão ou isolamento. Uma das premissas do jogo é que se deve jogar até ao fim, sem desistências e sem contar a ninguém, sendo o desafio final o suicídio.


Série da NETFLIX trouxe o debate sobre o suicídio à tona 
A depressão e o bullying são dois fatores cruciais quando se fala em suicídio. De acordo com a coordenadora da Comissão de Estudo e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria, Alexandrina Meleiro, o bullying “vai massacrando a autoestima e isso favorece desenvolver alguns quadros, entre eles, de ansiedade e principalmente de depressão.” De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o número de pessoas que vivem com depressão cresceu 18% entre 2005 e 2015, sendo que hoje mais de 300 milhões de pessoas de todo o mundo sofrem com a doença, que na pior das hipóteses pode levar ao suicídio.

Outro problema que tem afetado a vida dos jovens é que eles tendem a comparar suas vidas com a dos outros. Alexandrina conta que, imersos em redes sociais como Facebook ou Instagram, muitos deles assistem a retratos de vidas fantásticas selecionam posts que exibam a melhor parte de suas vidas. Quando comparadas, a vida de quem assiste a esse espetáculo parece pior, principalmente quando surgem problemas.


Estudo da Royal Society for Public Health (RSPH) afirma que Instagram é o pior aplicativo para saúde mental dos jovens 
A alta taxa de suicídio entre os jovens intriga médicos, pais e professores pelo paradoxo que representa: o sofrimento e a angústia num período da vida que é geralmente associado a descobertas, alegrias e amizades, não a tristezas e morte. Mas as mudanças na fase da puberdade podem explicar em parte esse fenômeno. Principalmente as que estão relacionadas à sexualidade dos adolescentes e jovens.

As questões que envolvem sexualidade e gênero são definidoras quando se trata do suicídio. Alexandrina afirma que “a dificuldade em lidar com a sexualidade contribui para moldar um comportamento suicida.” A não-aceitação por parte da família, amigos e colegas também prejudica o emocional e pode desencadear tendências suicidas. Tendência essa que predomina no gênero masculino .

Os homens se matam três vezes mais do que as mulheres. De acordo com a cartilha da Associação Brasileira de Psicologia sobre suicídio, “papéis masculinos tendem a estar associados a maiores níveis de força, independência e comportamentos de risco”. Reforçar esse papel pode impedir que homens procurem ajuda em momentos de depressão e sofrimento.

Taxa de suicídios de homens é três vezes maior a das mulheres 
De acordo com o psiquiatra Neury Botega, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade de Campinas), referência no país em prevenção do comportamento suicida, “as pessoas têm dificuldade de lidar com a angústia que as acompanham. Há vazio e solidão. Mas, não a solidão de simplesmente estar só. É uma solidão do desamparo, de um vazio desesperado e difícil de ser transformado em pensamentos apaziguadores, um vazio relacionado à ausência de vínculos e de pertencimento. Não se consegue dar um significado para a existência”.

O que causa preocupação entre os pesquisadores não é apenas o número de suicídios entre os jovens, mas a rapidez com que a taxa está crescendo. E ela cresce por um conjunto de fatores. "A sociedade está cada vez menos solidária, o jovem não tem mais uma rede de apoio. Além disso, ele é desiludido em relação aos ideais que outras gerações tiveram", analisa Botega.

O egoísmo e a falta de solidariedade da sociedade são fatores que influenciam o índice de suicídios 
E é justamente essa uma das razões de se falar abertamente sobre o suicídio: cada vez mais os jovens estão tirando suas vidas e parece que ninguém está disposto a discutir o problema. O tema continua sendo desgostoso até para profissionais de saúde. Nos registros do Datasus (banco de dados do Sistema Único de Saúde), o suicídio aparece como "mortes por lesões autoprovocadas voluntariamente". Um eufemismo que disfarça o desagradável, evita a palavra, mas perpetua o problema.


A troca de informações a respeito do suicídio evita muitos casos: a OMS afirma que é possível prevenir 90% das mortes se existirem condições para ofertar ajuda. Quem pensa em suicídio está passando por um sofrimento psicológico e não enxerga uma saída para isso a não ser a morte; o que não significa que queira morrer. Há um sentimento duplo: a pessoa quer se livrar da dor, mas quer viver; pensa que a morte pode ser confortadora. No fim das contas, o suicídio não passa de uma ilusão do alívio.
“Cara, descobri uma coisa hoje. Sabe como é o nome da mulher do Gilmar Mendes? Guiomar. G-U-I-O-M-A-R” E soltou uma gargalhada alta, típica dos Passareli e de toda boa família descendente de italianos.

Enquanto Fernando ria e contava algumas coisas, eu comia um pedaço de bolo e tomava um copo de leite na pequena cozinha que dividimos em Florianópolis. Nos conhecemos há cinco anos no Ensino Médio e no curso técnico de Automação Industrial do SENAI de Tubarão-SC. Desde então somos melhores amigos.

Ele está na terceira fase do curso de Física. Um jovem de 20 anos quase completos. Antes disso, cursou dois semestres de Ciências Sociais. Muita gente se pergunta: “Como assim? Mudou de Ciências Sociais pra Física? Que coisa nada a ver.” 

Bom, quem o conhece bem sabe que essa mudança faz todo sentido: ele se dá bem tanto com leituras, resumos e seminários quanto com equações, integrais e derivadas. Eu fui para as letras, ele, para os números.

Todos os dias, às seis e meia da manhã. ele já está acordado. Faz seu café. Prepara um pão com doce de leite ou come algumas bolachas. Liga o computador e abre o Reddit. Ele não tem Facebook. Não mais. Ele decidiu excluir seu perfil, tanto pelo campo de guerra que a rede social se tornou quanto pelo tempo que poderia usar para estudar.

O físico Richard Feynman
Nove de novembro de 2016. Seis e meia da manhã. Ele e eu saímos cada um de seu quarto. Eu tinha ficado acompanhando as eleições dos EUA durante a madrugada, ele foi dormir às dez e meia da noite anterior. Olhei pra ele com uma expressão irônica e debochada. Bastou isso pra ele pôr a mão na cabeça, me olhar com espanto e dizer “O Trump ganhou!”.“Isso mesmo, meu jovem”, eu respondi e dei uma risada.


Ele até gostava do primeiro semestre de Ciências Sociais. Mas o segundo...Só tinha visto o Fernando daquele jeito no curso técnico - que ele sabia que não usaria aquilo pra nada além de instalar umas tomadas no quarto. Ele não estava nem aí para o curso - nem para o técnico, nem para Ciências Sociais. Foi aí que ele começou a ler sobre Física e a velha paixão por ela começou a despertar. 

Então ele leu “O senhor está brincando, sr. Feynman?”, autobiografia de Richard Feynman, um dos Físicos mais loucos e brilhantes. Ele me contava sobre o livro com entusiasmo, gesticulava e falava sobre o quanto o Feynman era louco. Até então, meados de outubro de 2015, ele só pensava mudar de curso. 

Eu tinha certeza que ele mudaria. Afinal, entre a Ciência e a Sociedade, ele se dava melhor com a primeira. Um mês depois, pediu transferência. Chega de Marx, Weber ou Adam Smith. Newton, Pascal e tantos outros o esperavam no CFM - Centro de Ciências Físicas e Matemáticas. “Cara, esse pessoal de Sociais não bate bem da cabeça. Meu Deus do céu!”, sempre lembro dele falando isso.

Abri a porta de casa, que dá direto para o fogão, e lá estava ele falhando miseravelmente em fritar “orelhinhas”e protegendo seu rosto e cabelo dos respingos de óleo. “A massa ficou muito mole eu acho”, ele respondeu. Eu sugeri que ele não saísse do “campo da Focaccia”, sobre o qual ele tinha domínio. “Bora pedir uma pizza hoje?”, ele me perguntou. “Beleza!” respondi.


Na maior parte do tempo, Fernando está fazendo suas listas de exercícios - que são gigantescas. “Cara, a média das provas da nossa turma foi um desastre. Quatro. O cara ficou maluco com a gente.”. Ele, pelo menos, estava sempre bem acima da média da turma. Certamente ele será um excelente professor ou um Físico teórico.

Em um dos sábados em que os dois estariam em Tubarão, combinamos de ir ao cinema, assim dava pra ir com o resto do pessoal. Guardiões da Galáxia Vol.2. Não tinha como esse filme ser ruim. Nós dois concordamos nisso. Era sexta-feira, ele estava com uma camisa do Pink Floyd, nós dois estávamos muito animados pro filme e conversamos pra caramba sobre o futuro do Universo Cinematográfico da Marvel, sobre política, sobre outros filmes, sobre livros, sobre as aulas: nada que a gente não converse quase todo dia.
 
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