Quando mentiras se tornam notícias

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O ano de 2016 pode ser definido por uma palavra: pós-verdade. Todos os anos a Oxford Dictionaries, o departamento da universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários, elege uma palavra do ano para a língua inglesa. Não por menos: o ano foi marcado por acontecimentos que tiveram o envolvimento das chamadas fake news, notícias falsas que ganham credibilidade independente do surgimento de evidências que as desmintam.


Muitas dessas notícias são compartilhadas por pessoas que, acreditando ou não nelas, querem disseminá-las por confirmarem algum ponto de vista ou por desmentir uma opinião contrária. A questão é que a maioria dessas pessoas não está interessada na verdade e nos fatos, mas na sua própria verdade, e por isso não medem esforços em defendê-la, mesmo que para isso tenha de disseminar mentiras e esconder as verdadeiras informações.


Um levantamento do site BuzzFeed apontou que entre agosto e novembro do ano passado, as fake news tiveram cerca de  8,7 milhões de compartilhamentos no Facebook. Eram coisas do tipo "Papa declara apoio a Trump" e "agente do FBI que expôs e-mails de Hillary é encontrado morto". Durante o mesmo período, as notícias verdadeiras foram compartilhadas 7,8 milhões de vezes.


Mesmo sabendo que o Papa nunca poderia apoiar quaisquer candidatos à presidência de qualquer país, as pessoas compartilham tais fatos. Notamos que, por mais absurda que possa ser uma notícia, se ela valida uma opinião, ela se torna verdadeira para quem a compartilha. A verdade da notícia não está mais nos seus fatos, mas na possibilidade deles apoiarem determinada visão de mundo. A culpa, é claro, não está somente nas pessoas que consomem, mas também naqueles que as produzem.





A Folha de S. Paulo apurou a existência de uma fábrica de fake news no interior de Minas Gerais, sede de sites como Pensa Brasil e Folha Digital. Todos faturam com conteúdos apelativos que impulsionam a audiência do site, sejam eles clickbaits (notícias com títulos chamativos que acabam por ser falsas ou não tão emocionantes quanto a chamada) ou às próprias notícias mentirosas.


Há grande peso da indústria de notícias falsas nesse fenômeno da ‘pós-verdade’. Mas não é o único fator responsável A produção de conteúdo falso por uma rede organizada somada  à uma população que se informa por meio de redes sociais aliada com a rapidez da propagação das fake news e o interesse ideológico em propagar a ‘informação’. Essa é a receita para o fenômeno da ‘pós-verdade’. E o ingrediente principal é o interesse ideológico.


É ele quem motiva tanto os produtores das notícias falsas a publicarem, quanto os leitores a compartilharem as notícias, mesmo que falsas. Quem produz está interessado nos clicks que vão gerar dinheiro. Mas e os leitores que publicam tais informações em seus perfis pessoais? O que eles ganham com isso? A satisfação de ter algo em que pode embasar suas crenças e opiniões, mesmo que essas bases sejam falsas. Diferente de quem produz, o interesse do leitor é puramente ideológico: não importa se é falso, confirma o que eu penso.


As pessoas são inclinadas a aceitar aquilo que reafirma o que elas pensam. As ideologias de uma pessoa quase sempre abafa evidências contrárias a ela. Por mais que os fatos insistam em ir na direção contrária, as convicções pessoais falam mais alto. E embora não possamos colocar toda a culpa nos leitores, não podemos isentá-los de serem vítimas das fake news.


Embora existam exceções, aqueles que são pegos de surpresa por um bait (iscas), os leitores das fake news estão interessados em duas coisas principais. A primeira, é em ser o primeiro a dar a notícia, o pioneiro em compartilhar a informação com o público. Pouco importa se é verdade, a rapidez em espalhar a ‘verdade’ no Facebook e nos grupos de WhattsApp é prioridade. A segunda é defender aquilo que pensa. Não a verdade, mas as opiniões. E se os fatos forem falsos, sem problemas. A mentira vira notícia.

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